Lacunas
Muitas vezes, nossos relacionamentos, nosso trabalho, nossas escolhas de vida são como um papel quadriculado, onde apenas alguns quadrados são preenchidos e outros permanecem em branco. Essas lacunas podem ser propulsoras de mudanças. Os quadriculados preenchidos dão a sensação de que está tudo bem, mas o que ainda falta ser preenchido nos impulsiona. A questão é saber qual o peso as lacunas têm em nossa história e o quanto elas são suficientemente fortes para nos mover de nossa zona de conforto preenchida e estável.
Participei de um trabalho biográfico recentemente. Já falei algumas vezes sobre Biografia Humana aqui na coluna. O objetivo da Biografia é promover um contado panorâmico com nossa própria história de vida, colocando em perspectiva fatos e questões para que possamos, olhando um pouco mais de longe, reconhecer os sutis fios que nos conduzem pelo caminho.
Hoje quero comentar uma pequena experiência que tive recentemente em Nova Friburgo, através do trabalho do médico homeopata e terapeuta biográfico, Marcelo Guerra, durante o V Encontro de Artes Waldorf.
A vivência, chamada de Observação e sentido, usava a arte para sensibilizar o participante e deslocar sua maneira costumeira de ver a si e ao mundo.
Em dado momento, o terapeuta pediu para que cada um de nós desenhasse uma cena de nossa vida que fosse significativa para estar ali naquele momento. O trabalho era realizado em grupos de três pessoas que depois deveriam partilhar seus desenhos e suas experiências.
No grupo em que eu estava, um desenho me chamou particularmente a atenção. Nele, seu autor desenhou um plano quadriculado à direita, uma gravata ao centro e a esquerda estava preenchida com raios de sol e flores. Do lado direito, uma fisionomia triste, do lado esquerdo, uma alegre. Ao explicar o desenho para o resto do grupo, o jovem falou que era um executivo em Nova York, estava muito bem financeira e profissionalmente, mas que a vida dele era cheia de lacunas. Quando começou a perceber o peso que essas lacunas não preenchidas tinham em sua vida, resolveu largar a gravata, mudar de emprego e com isso acabou se sentindo mais inteiro, apesar de ter uma vida muito simples e com poucos recursos financeiros.
Desde então, tenho pensado no peso das minhas próprias lacunas. A vida que levo não é ruim, tenho muitos quadradinhos preenchidos, mas existem também lacunas. Seriam essas lacunas suficientemente fortes para promover mudanças tão qualitativas e intensivas como as de meu colega de exercício? Seria eu corajosa o bastante para olhar para essas lacunas e reconhecê-las como fator de transformação?
Impresso e publicado originalmente em 17 de julho de 2010.