Que sementes você tem plantado?

Estava plantando sementes de pimenta murupi que trouxe de Manaus, e pensando quanto tempo levaria para as mudas crescerem. Me dei conta de que as sementes podem nem vingar. Não há garantias! Como em quase tudo (ou tudo?) na vida. Apesar disso, todos os dias plantamos sementes, esperando colher os frutos. Cuidamos do vaso, afofamos bem a terra, lançamos as sementes com boa distância entre elas, expomos ao sol, protegemos do sol excessivo, regamos com regularidade. Nossa parte, nós fazemos, e ficamos no aguardo da colheita, que pode ou não vir a acontecer. O importante é que NOS DEDICAMOS para que possamos colher, ainda que não tenhamos controle sobre todas as circunstâncias do processo. E você, o que plantou hoje?

Saudade do meu pai

Quando criança, eu queria que meu pai me ouvisse, que conversasse comigo. Claro, para a minha geração isso seria um comportamento muito excepcional. O usual era o pai dar ordens inquestionáveis, numa hierarquia rígida como num quartel, sob o risco do pai “perder a autoridade”. Isso era o que importava para os pais, esse era o valor maior a ser perseguido e mantido numa família: a autoridade. Sem autoridade, seria o caos: seu filho viraria um maconheiro ou um mariquinha, sua filha seria uma piranha ou uma mãe solteira, ou ambos virariam comunistas… Frases como “se não me respeita, então que tenha medo de mim” eram comuns nos lares daqueles loucos anos 70. A repressão política que a ditadura militar exercia nas ruas era repetida atrás de cada muro, de cada postigo da porta da frente. Ou não seria o contrário? Os militares estariam apenas levando para a rua aquilo que era comum dentro de cada casa? O que veio primeiro, o ovo ou a galinha? Tanto faz, porque era a mesma merda!

Meu pai não fugia à regra. Ele trabalhava, chegava em casa, sentava no seu lugar marcado (só ele e minha irmã tinham lugar certo na mesa) e era o rei do lar. Reclamações, ordens e silêncio. Ninguém podia incomodar meu pai quando ia assistir televisão. E quando as válvulas da Telefunken falhavam e a imagem sumia, eu tinha que levantar correndo para dar uma porrada do lado da televisão para que a imagem voltasse. (É bem verdade que sinto um pouco de saudade desse método de fazer as coisas funcionar, mas um roteador sem sinal não resistiria nem a um peteleco…).

Ele era distante e autoritário, mas eu o amava. Eu chorava de saudade quando ele viajou para o Pará, no Projeto Rondon, e fui super feliz ao Galeão esperar o avião que trouxe o meu pai com cara de quem não queria ter voltado. De qualquer maneira, eu não parava de questionar. Queria ser aviador da FAB, assim como metade dos meus amigos, mas meu avô me alertou: ‘militar não pode questionar nada. Se receber uma ordem não pode perguntar o porquê. Você vai passar mais tempo preso do que voando’. Me convenceu… Eu não queria ser obrigado a me calar e engolir ordens arbitrárias. Eu queria era voar!!!! E por muito questionar, batia de frente com meu pai quase sempre, tendo que me submeter ou às suas palavras ou à sua mão pesada.

Na adolescência, meu pai se aproximou mais e ousou me enxergar e me escutar. Ensinou-me a dirigir, sem paciência nenhuma, mas levou, assim como meu avô materno. Conversava sobre o colégio, sobre o que eu queria para o futuro. Na minha entrada para o segundo grau, ele fez algo que admiro muito. Eu já queria estudar medicina e o vestibular sempre foi difícil. Uma escola em Niterói tinha muitos alunos aprovados todo ano para medicina. Meu pai tinha estudado lá como bolsista no cursinho pré-vestibular. Fui fazer a prova de admissão para a escola e, no dia da prova, ele me levou (o que era bastante incomum), e durante a prova o diretor da escola o reconheceu no pátio, eles conversaram e o diretor perguntou se ele queria uma bolsa de estudos para mim. Ele recusou, dizendo ‘agora eu posso pagar para o meu filho’. Esse é um exemplo que meu pai deixou, de coerência e dignidade, que eu procuro seguir.

Quando eu passei no vestibular, cheguei em casa com a edição extra do jornal na mão (naquele tempo não existia internet!!!!!) e mostrei-lhe. Ele ficou muito feliz e me deu um dinheiro para eu ir à padaria comprar uma Brahma pra gente comemorar. Sentamos à mesa da cozinha e tomamos aquela Brahma, só eu e meu pai, que ali me reconhecia como um homem, como um amigo!

Meu pai mudou, e tornou-se meu amigo na vida adulta. Como eu fui morar no interior, falávamo-nos por telefone com frequência, contando sobre a vida, minhas conquistas de jovem médico iniciando a carreira numa cidade estranha, as dificuldades de adaptação, as alegrias de estar num lugar tão agradável. Chegamos ao ponto de ele também me pedir opinião sobre decisões que precisava tomar. Meus filhos nos aproximaram mais ainda, e ele amou muito esses netos e demonstrou esse amor! Ele nos recebia com um abraço apertado e um beijo, como ele nunca fez enquanto eu era criança. Acho que ele perdeu o medo de perder a autoridade… Deve ter aprendido que o carinho e o amor valem muito mais do que a autoridade.

Meu pai morreu cedo, sequer chegou aos 60 anos… Já se vão 21 anos que eu o perdi e ainda não me acostumei. Quando alguma coisa muito boa acontece comigo, penso em ligar para ele, para em fração de segundos lembrar que já não dá mais. Gostaria de poder contar com seus conselhos quando passo por situações de dúvida. Seus conselhos tão previsíveis na minha infância, foram cada vez me surpreendendo mais na vida adulta. Somente por esses motivos lamento a sua morte, mas alguns meses antes de morrer, ele me disse que tinha conquistado tudo que havia desejado na vida, que nada mais lhe faltava, que só sentia falta do seu pai.

Há alguns anos, passei por uma situação que tive que ficar fazendo exames e a princípio pensei que não tinha medo de morrer. Mas quando lembrei a falta que sinto do meu pai, imaginei como meus filhos sentiriam a minha falta e tive medo de deixá-los. Com meu pai, mesmo que por vias tortuosas, aprendi que o pai precisa estar presente na vida dos filhos, não pressionando, mas se colocando à disposição para aqueles momentos que parecem sem saída, e poder oferecer uma solução ou, ao menos, solidariedade e aconchego. Saudade do meu pai!

… mas ela é esforçada.

Marcelo Guerra

O esforço, se não é aplicado a exercícios físicos, é visto como algo menor, como um consolo, uma compensação. Valorizamos a inteligência, a sagacidade, as soluções rápidas. O filme Fatima, dentre outros temas tão importantes na atualidade, fala sobre o esforço. A história de uma imigrante argelina na França, criando duas filhas adolescentes praticamente sozinha com seu trabalho de faxineira. (Daqui para baixo, tem spoilers). A mais velha recém ingressou na faculdade de medicina e a de 15 anos não se dedica à escola. O esforço é parte da vida da filha mais velha, que perde noites de sono estudando para ser aprovada nas matérias do 1º ano, e da mãe faxineira, que sai de casa de madrugada para o trabalho, só retornando à noite, e ainda arranja tempo para aulas de alfabetização em francês, para diminuir a distância entre ela e suas filhas. Há um paralelo entre o estudo da mãe e o da filha mais velha, ambas ingressando num mundo novo. A mais nova queixa-se com o pai que não sente orgulho da mãe porque ela limpa a sujeira dos ricos, e trabalha demais. Fatima sofre um acidente de trabalho e precisa consultar-se com uma médica do trabalho que a escuta e compreende, e é quando há um dos discursos mais comoventes do cinema, enaltecendo o trabalho e o esforço. O cinema já proporcionou outros discursos memoráveis, como o de Kenneth Brannagh em Henry V.

Fatima limpa privadas, retira o lixo, e obtém o sucesso que busca na vida.

Pessoas da geração Y, considerados como aqueles nascidos nas décadas de 1980 e 1990, em geral receberam uma educação mais liberal que as gerações anteriores, com acesso a tecnologias que estavam em estado nascente e foram se desenvolvendo junto com esses jovens. Estudos ligados à administração de empresas falam de dificuldades que esses jovens apresentam no trabalho, por acreditarem que são especiais, que têm um dom especial. Quando crianças, essa geração era chamada de Crianças Indigo, e era atribuída a eles a mudança futura do mundo. Eram crianças muito especiais. Ainda hoje me deparo com pais que consideram seus filhos muito especiais por ligarem um vídeo no celular. Essas pessoas tratadas como super especiais chegaram à vida adulta e esbarraram numa crise mundial que exige algo para o qual elas não foram preparadas: esforço, sacrifício. Daí vem a frustração e um sentimento de inadequação com a realidade.

Fatima limpa privadas, retira o lixo, e obtém o sucesso que busca na vida, e o seu sorriso na cena final deixa isso bem claro! Depois de ver esse filme, quero me esforçar mais!

“O homem inteligente não é sábio. Sábio é o homem que, esforçando-se, torna-se inteligente.” Sócrates

Esse texto foi originalmente publicado em 2016, no portal O Pensador Selvagem (http://opensadorselvagem.org/arte-e-cultura/o-que-aprendi-nos-filmes/mas-ela-e-esforcada-sobre-o-filme-fatima/ )

A gente precisa ser escutado

Marcelo Guerra

Aproveitei o feriado para assistir alguns filmes. Dentre eles, vi um afegão, muito interessante, chamado PEDRA DE PACIÊNCIA, e aproveitei para rever um francês que gostei muito e já indiquei para várias pessoas, A FAMÍLIA BÉLIER. Decidi rever por causa do tema do primeiro. (O texto contém spoilers, mas não afetam a experiência de assistir os filmes).

Os filmes apresentam inúmeros contrastes, como o ambiente rural bucólico X a cidade destruída pela guerra, as preocupações de uma adolescente europeia X o desejo de um mínimo de autonomia da mulher afegã. No entanto, ambos mostram uma necessidade universal não satisfeita: a necessidade de alguém ser escutado, de poder revelar sua história e suas aspirações às pessoas próximas sem medo de condenação, críticas ou humilhação.

A necessidade de alguém ser escutado, de poder revelar sua história e suas aspirações às pessoas próximas sem medo de condenação, críticas ou humilhação.

PEDRA DE PACIÊNCIA é a história de uma mulher afegã, vivendo em meio à guerra, tendo que cuidar do marido em estado vegetativo por causa de uma bala na nuca. Ela começa a falar com ele, a princípio queixando-se da situação de abandono em que estão, sem atendimento médico, sem dinheiro, sem família, às moscas. E quando eu digo às moscas, é também literalmente, porque sempre aparecem muitas moscas no filme.

Aos poucos, ela vai contando sua história ao marido que está ali sem expressar nenhuma reação. Conta os seus medos, suas aspirações, como foi a sua percepção do noivado e do casamento. Conta de como se sentiu decepcionada por ter se casado sem a presença do noivo, devido à guerra. Nessa ocasião, o noivo foi representado por seu punhal, um símbolo de virilidade,  poder e honra, o que é bastante significativo tendo em conta a descrição que a mulher faz de sua rude vida em comum e de suas relações sexuais, descritas como relações sem afeto, completamente de mão única. À medida em que vai se abrindo para esse homem de quem ela na verdade sabe muito pouco, ela vai demonstrando maior preocupação e cuidado com ele.

A protagonista lhe conta sobre sua infância, sobre o pouco cuidado e acolhimento que o pai dedicava a si e à sua irmã mais velha, muito menos do que às suas codornas. Fala da subjugação da mulher numa cultura islâmica fundamentalista, do seu valor como moeda de troca, e de como isso a perturbava. Por fim, conta até seus segredos mais íntimos, que poderiam ameaçar sua própria vida.

Em meio à violência da guerra, ela conhece um homem com quem ela pode ter alguma troca, que escuta seus desejos e de quem ela escuta a história. O final do filme exibe alguma esperança de redenção em meio à dor.

A FAMÍLIA BÉLIER se passa no interior da França, e a protagonista é uma adolescente que ajuda os pais na fazenda em que vivem e frequenta a escola, com todas as questões próprias a esse contexto. O detalhe é que seus pais e seu irmão são surdos-mudos, e ela faz a ligação da família com os fornecedores e compradores, com o mundo em geral. Num paralelo, o filme vai mostrando o nascimento e crescimento de um bezerro da fazenda, que ela batizou de Obama, por ser diferente do restante do rebanho.

Na escola, ela precisa escolher uma disciplina de artes e se decide por entrar para o coral, para se aproximar de um garoto por quem ela tinha algum interesse. Logo o professor percebe que ela possui uma voz excelente e sugere que ela participe de um concurso para fazer parte de um importante coral em Paris. O que havia sido uma decisão sem interesse real na música traz um dilema que vai afetar toda a sua vida e de sua família.

Por não escutar, a princípio seus pais não valorizam seu interesse pela música, mas ao se darem conta da repercussão que o seu canto provoca nas pessoas, deixam um pouco de lado seus interesses e dificuldades pessoais para ajudá-la a realizar-se. O filme é uma metáfora meio óbvia da eterna queixa dos adolescentes de que “ninguém me escuta”. Neste caso, não escutam mesmo.

É o interesse real pelo que o outro tem a dizer que cria vínculos entre nós.

É a escuta que permite que as pessoas se conectem de verdade, muito além de curtidas e compartilhamentos. É o interesse real pelo que o outro tem a dizer que cria vínculos entre nós. Não é uma escuta motivada por curiosidade ou desejo de julgamento, mas uma escuta de histórias, daquilo que pensa e sente aquele que fala, o que lhe motiva, o que lhe causa dor e desconforto, quais são suas aspirações. Aquilo que torna alguém humano, em resumo.

A quem você pode escutar hoje?

As psicoterapias fazem dessa escuta uma importante profissão, e têm ajudado muitas pessoas desde que Freud descobriu o Inconsciente. Nesse caso, é uma escuta qualificada, com uma técnica própria a cada modalidade de psicoterapia. Mas a escuta verdadeira não deve se limitar aos consultórios, ela deve permear os relacionamentos humanos, sejam amorosos,entre pais e filhos ou entre amigos. Uma vez, um pastor me disse numa conversa que Jó, da história do Velho Testamento, no auge das desgraças que lhe aconteceram, recebeu a visita de amigos que simplesmente se sentaram ao seu lado por sete dias para se solidarizar e escutar o que ele tivesse vontade de dizer. Eles não foram para sugerir nada, para criticar nada, só para estar ao seu lado e lhe emprestar os ouvidos. Acredito que estamos perdendo essa capacidade da escuta e precisamos reaprendê-la para que a rede de nossas conexões humanas possa ser novamente tecida. A quem você pode escutar hoje?

Biográfico Panorâmico em Juiz de Fora e Teresópolis

O Biográfico Panorâmico é realizado em regime de imersão, em locais reservados, onde os participantes podem dedicar-se a trabalhar o seu interior, para retornarem ao seu mundo renovados e modificados.

Os nossos próximos Biográficos Panorâmicos ocorrerão nas seguintes datas e locais:

Escreva para santana@terapiabiografica.com.br ou marceloguerra@terapiabiografica.com.br para mais informações.

O objetivo do Trabalho Biográfico é conhecer a sua vida e percorrer os caminhos da sua própria história reconhecendo os fios que te conduziram até o momento. Através do levantamento dos fatos da sua própria vida e da leitura consciente desses fatos, você trabalhará o panorama familiar e individual desde o seu nascimento até o dia de hoje, podendo então reescrever a sua história com linhas e fios mais claros, passando pelo centro do seu próprio destino.

De dentro de sua história, e só assim, é possível você reconhecer sua missão humana e transformá-la em ação consciente no mundo.

Este trabalho será de quinta-feira à tardinha a domingo após o almoço, em lugar selecionado para instrospecção e cura.

Coordenadores:

  • Rosângela Cunha

Psicóloga, Gestalt-terapeuta e Terapeuta Biográfica

  • Marcelo Guerra

Médico Homeopata e Terapeuta Biográfico

A vida de Hahnemann – Juventude

Aos 16 anos, passou a estudar na Escola do Príncipe, ao mesmo tempo em que o Reitor Müller transferiu-se para lá, e seus professores reconheciam seu talento e dedicação, não lhe cobrando tarefas escritas ou cópias, e deixando que ele só assistisse às aulas que considerava importantes para sua formação. Ele não era interno na escola, e dormia na casa do reitor, a quem ajudava nas correções de lições.

Formou-se na Escola do Príncipe aos 20 anos, tendo apresentado uma dissertação em latim, como era costume na época, intitulada “A Maravilhosa Construção da Mão Humana”. Ainda aos 20 anos ingressou na Universidade de Leipzig, e daí em diante afastou-se completamente de sua casa paterna, não tendo tido oportunidade de voltar nem para as festividades. Seus anos de estudo sempre foram marcados pela dedicação de muitas horas sobre os livros e pelo trabalho paralelo para custeá-los.

A Vida de Hahnemann – Criança

Ele estudou em uma tradicional escola de Meissen, a Escola do Burgo, até os 16 anos. O reitor da escola, o Professor Müller, o amava como a um filho, e lecionava redação e línguas antigas. Por dificuldades financeiras, seu pai o retirou da escola algumas vezes para trabalhar e ajudar no orçamento doméstico, mas, atendendo aos insistentes pedidos dos professores, permitiu que ele voltasse a estudar, onde não lhe era mais cobrado nada. O menino Samuel tinha um excepcional talento para aprender idiomas.

Numa das vezes em que seu pai o retirou da escola, o enviou para outra cidade, Leipzig, para trabalhar numa padaria, onde vivia como aprendiz. Por gostar muito de estudar, o rapaz fugiu da padaria e voltou para casa, onde sua mãe o escondeu por vários dias, com medo da reação de seu pai, até que ela preparou o terreno para que o pai escutasse o que Samuel tinha a dizer sobre seus sonhos de vida, ligados à ciência e à pesquisa. Gostava tanto de estudar que fez um pequeno candelabro de barro para usar à noite e poder estudar escondido. Neste setênio já lia os clássicos em grego e latim.

Ainda enquanto estudante, aos 12 anos, o reitor o convida para lecionar grego em sua escola. Seus colegas também o tinham em alta consideração. Estudava muito e não fazia atividades físicas, o que o levava a adoecer freqüentemente.