Em 1982 eu morava em São Gonçalo e estudava em Niterói, num colégio bem no centro. Desde pequeno, São Gonçalo e Niterói eram para mim como uma só cidade, dois lados bem diferentes da mesma cidade. Em São Gonçalo eu brincava na rua, trepava em árvores (em casa ou na casa de algum colega), em Niterói visitava minha tia Florinda, ia ao cinema e comprava roupas. São Gonçalo era árido, mas tinha a diversão, a molecagem. Niterói tinha uma praia linda (só de ver) que o ônibus passava bem em frente, tinha árvores nas ruas, tinha lojas bonitas. Quando eu fui estudar lá e passei a conviver com os niteroienses, percebi que eram dois mundos bem diferentes, e fui tratado como lixo por morar em São Gonçalo. Se fosse hoje com essa onda de cotas no vestibular, deveria haver cota para suburbano. Nós gonçalenses, só tínhamos amigos entre os outros gonçalenses ou com os colegas que vinham do interior estudar em Niterói. Além desses, numa turma de 100 alunos, talvez uns 3 niteroienses fossem nossos amigos. Namorar uma niteroiense, então, sem chance! Éramos lixo!
Neste ano, houve uma greve de garis em Niterói, e andar nas ruas do centro era insuportável, tudo fedia a vômito! A gente desviava do lixo acumulado nas calçadas pelos bares e restaurantes, as ruas cheias de papel, bagaço de cana (por causa do caldo de cana), restos de comida, muitas moscas, ratos.
Por que essas lembranças agora? A tragédia no Morro do Bumba, no Cubango, um bairro de Niterói, está sendo atribuída ao fato de terem construído as casas sobre um lixão que foi desativado em 1982, este mesmo ano da greve. Fiquei pensando que valorizamos muito o impacto do aquecimento global, a que atribuímos responsabilidade maior aos governos, e falamos tão pouco do lixo, cuja responsabilidade maior é nossa, é minha e sua, na nossa casa, no nosso trabalho. No verão passado, a cidade de São Paulo sofreu com as chuvas que teimavam em cair todo dia e inundar boa parte da cidade. O que agravou as inundações? O lixo jogado nas ruas. Aquele papelzinho de bala que alguém não se importou de jogar no chão, aquele panfleto que eu peguei no sinal e joguei pela janela do carro quando o sinal abriu, aquele chiclete que perdeu o doce e eu cuspi no cantinho da calçada.
Segunda-feira, dia 5 de abril, o Grande Rio sofreu com uma chuva de mais de 12 horas que alagou tudo! O que agravou a enchente? Novamente o lixo que não foi para a rua sozinho, que alguém jogou ali.
Terça-feira, 6 de abril, a chuva continua e o Morro do Bumba veio abaixo, um morro artificial, feito de lixo! Eu voltei a me sentir niteroiense/gonçalense (deixando de me sentir o lixo que me impuseram) e imaginei a dor que os moradores de lá estão sentindo. Além do desprezo dos governos, está a nossa responsabilidade. O lixo é nossa responsabilidade, e é preciso que modifiquemos urgentemente nossa forma de consumir, para que possamos mudar este quadro. No domingo foi Páscoa, muitas crianças e adultos ganharam ovos de páscoa e caixas de bombons. Um ovo de páscoa vem envolvido em camadas de papel, sobre um copinho plástico, com um barbantinho, e por aí vai. Um pouco de chocolate em forma de casca de ovo envolto em muito lixo!
Não sei como solucionar este problema do lixo, mas precisamos todos pensar juntos em como cada um pode diminuir a sua produção de lixo. Estar consciente a cada vez que for comprar um produto que, para parecer mais fino, e consequentemente mais caro, está envolvido em várias camadas de embalagem (lixoassim que você o comprar). Precisamos pensar no destino do nosso lixo e em produzir menos lixo.