Marcelo Guerra
O esforço, se não é aplicado a exercícios físicos, é visto como algo menor, como um consolo, uma compensação. Valorizamos a inteligência, a sagacidade, as soluções rápidas. O filme Fatima, dentre outros temas tão importantes na atualidade, fala sobre o esforço. A história de uma imigrante argelina na França, criando duas filhas adolescentes praticamente sozinha com seu trabalho de faxineira. (Daqui para baixo, tem spoilers). A mais velha recém ingressou na faculdade de medicina e a de 15 anos não se dedica à escola. O esforço é parte da vida da filha mais velha, que perde noites de sono estudando para ser aprovada nas matérias do 1º ano, e da mãe faxineira, que sai de casa de madrugada para o trabalho, só retornando à noite, e ainda arranja tempo para aulas de alfabetização em francês, para diminuir a distância entre ela e suas filhas. Há um paralelo entre o estudo da mãe e o da filha mais velha, ambas ingressando num mundo novo. A mais nova queixa-se com o pai que não sente orgulho da mãe porque ela limpa a sujeira dos ricos, e trabalha demais. Fatima sofre um acidente de trabalho e precisa consultar-se com uma médica do trabalho que a escuta e compreende, e é quando há um dos discursos mais comoventes do cinema, enaltecendo o trabalho e o esforço. O cinema já proporcionou outros discursos memoráveis, como o de Kenneth Brannagh em Henry V.
Fatima limpa privadas, retira o lixo, e obtém o sucesso que busca na vida.
Pessoas da geração Y, considerados como aqueles nascidos nas décadas de 1980 e 1990, em geral receberam uma educação mais liberal que as gerações anteriores, com acesso a tecnologias que estavam em estado nascente e foram se desenvolvendo junto com esses jovens. Estudos ligados à administração de empresas falam de dificuldades que esses jovens apresentam no trabalho, por acreditarem que são especiais, que têm um dom especial. Quando crianças, essa geração era chamada de Crianças Indigo, e era atribuída a eles a mudança futura do mundo. Eram crianças muito especiais. Ainda hoje me deparo com pais que consideram seus filhos muito especiais por ligarem um vídeo no celular. Essas pessoas tratadas como super especiais chegaram à vida adulta e esbarraram numa crise mundial que exige algo para o qual elas não foram preparadas: esforço, sacrifício. Daí vem a frustração e um sentimento de inadequação com a realidade.
Fatima limpa privadas, retira o lixo, e obtém o sucesso que busca na vida, e o seu sorriso na cena final deixa isso bem claro! Depois de ver esse filme, quero me esforçar mais!
“O homem inteligente não é sábio. Sábio é o homem que, esforçando-se, torna-se inteligente.” Sócrates
Esse texto foi originalmente publicado em 2016, no portal O Pensador Selvagem (http://opensadorselvagem.org/arte-e-cultura/o-que-aprendi-nos-filmes/mas-ela-e-esforcada-sobre-o-filme-fatima/ )